Semiótica da imagem científica: gêneros discursivos e enunciação visual

Disciplina
"Semiótica da imagem científica: gêneros discursivos e enunciação visual"
FLL5135

Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Linguística Geral FFLCH-USP

Professora ministrante: Maria Giulia Dondero (FRS-FNRS, Université de Liège, Bélgica)

Docentes responsáveis: Maria Giulia Dondero, Norma Discini (DL-FFLCH-USP) e Elizabeth Harkot-de-La-Taille (DLM-FFLCH-USP)

Primeiro semestre de 2016
De 09 a 12 de maio, das 14h00 às 17h45 – total de 15 horas-aula
O curso, a ser ministrado em francês, vale 02 créditos de Pós-graduação

Prédio de Letras da USP
09/maio: sala 266
10 e 11/maio: sala 260
12/maio: sala 270

 

Objetivos:

Este curso visa a explorar o papel da imagem no discurso científico a partir de duas perspectivas:

(i) a enunciação no âmbito da linguagem visual;
(ii) os gêneros discursivos da literatura científica.

1. Há pouco mais de dez anos pesquisadores dedicam-se à relação entre enunciação no discurso verbal e enunciação no discurso visual (Basso Fossali & Dondero, 2011; Dondero & Fontanille 2012; Dondero 2013; 2016; Beyaert, Dondero & Moutat (orgs., no prelo), Badir & Dondero (orgs., no prelo). Uma parte deste curso abordará as questões que se colocam na transposição do conceito de enunciação do verbal ao não-verbal: que ajustes se fazem necessários? À vista de qual heurística?
2. A investigação sobre os gêneros discursivos da pesquisa (experimentação) e sobre os gêneros da vulgarização (difusão dos saberes) nos levará a analisar corpora extraídos da literatura da astrofísica (especialmente da cosmologia), assim como das ciências biológicas (especialmente sobre o sistema imune). Cotejaremos os artigos de pesquisa e os diferentes gêneros discursivos de vulgarização, e, em especial, as revistas de vulgarização generalista, as obras de vulgarização especialista e os manuais destinados a estudantes universitários.

 

Justificativa:

O curso « Semiótica da imagem científica: gêneros discursivos e enunciação visual » é um instrumento fundamental para o desenvolvimento da semiótica geral e visual no Brasil por várias razões. Listamos duas.
A primeira é que, salvo algumas raras exceções (Harkot-de-La-Taille, Mancini, Pietroforte, Portela, Teixeira), a semiótica visual é pouco conhecida no Brasil. O curso fornecerá não apenas os fundamentos da semiótica visual clássica (semiótica plástica, semiótica figurativa, semi-simbolismo), mas proporá também avanços a respeito do conceito operacional de enunciação e sua transposição à linguagem visual.
A segunda diz respeito ao discurso científico. A semiótica visual tem tradicionalmente analisado obras de arte e imagens publicitárias. Há pouco mais de dez anos, pesquisadores belgas, franceses, italianos e brasileiros, por meio de vários projetos de pesquisa internacionais (ANR, WBI-CAPES, Tournesol, ARC Common) deram início ao estudo das imagens no âmbito do discurso científico e têm publicado um número de obras coletivas e individuais (ver bibliografia). O curso abordará os gêneros do discurso científico: do artigo de pesquisa aos diferentes suportes de vulgarização (revistas, obras, manuais etc.).

Conteúdo:

A enunciação visual

Este primeiro tópico do curso visa a dar conta dos desenvolvimentos da teoria da enunciação em sequência à questão colocada por Benveniste sobre a possibilidade de estender esse conceito à música e a outras linguagens não-verbais (« Sémiologie de la langue », Problèmes de linguistique générale 2, Paris, Gallimard, 1974, pp. 43-78).

Os primeiros semioticistas a dedicar seus trabalhos à teorização e à análise da linguagem visual nos anos 1980 e 1990 não abordaram frontalmente a questão da enunciação — limitando-se à análise do semi-simbolismo das imagens —, enquanto os semioticistas contemporâneos têm enfrentado o problema e desenvolvido esse conceito, justificando sua legitimidade num âmbito extra verbal. Partiremos da obra de Jacques Fontanille, Les Espaces subjectifs. Introduction à la sémiotique de l’observateur (discours, peinture, cinéma) (Paris, Hachette, 1989), que lançou o desafio da transposição do conceito de enunciação ao âmbito visual e audiovisual. Prosseguiremos pelo estudo do papel da análise enunciativa no seio de uma teoria de gêneros, visuais e não, à luz de uma teoria dos estatutos sociais das imagens (imagem artística versus imagem científica).

 

Enunciação enunciada e mereologia

Este segundo tópico será dedicado aos gêneros visuais artísticos e científicos que se utilizam de operações retóricas comuns tais como o enquadramento, a adição/subtração, a divisão etc. Buscaremos compreender o funcionamento dessas operações retóricas nos diferentes gêneros e estatutos. Focalizaremos a análise enunciativa (enunciação enunciada) e mereológica (todo/parte) de corpus de astrofísica e de biologia molecular. Para tanto, nós nos apoiaremos sobre a retórica do Groupe μ (Traité du signe visuel, Paris, Seuil, 1992; Elizabeth Harkot-de-la-Taille & Adriana Zavaglia 2015 (orgs.), Dossiê especial Groupe μ, Estudos semióticos, vol. 11, n°3, URL: http://www.revistas.usp.br/esse/issue/view/8415/showToc) e sobre os trabalhos de Jean-François Bordron (Image et vérité. Essais sur les dimensions iconiques de la connaissance, Liège, PULg, 2013).

 

Os sistemas autográficos e alográficos

Neste terceiro tópico, introduziremos e operacionalizaremos os conceitos de sistema autográfico e de sistema alográfico (Nelson Goodman, Langages de l’art. Une approche de la théorie des symboles, Paris, Hachette, 1990), a fim de distinguir as imagens de vulgarização das imagens científicas experimentais. Abordaremos também o caso das “criações artísticas”, empregadas especialmente em astrofísica.

 

A imagem entre experimentação e vulgarização

Abordaremos a noção de diagrama, a partir da teoria de Nelson Goodman (o diagrama se situaria a meio caminho entre a autografia e a alografia) assim como de trabalhos de Charles Sanders Peirce. Mostraremos o modo como a teoria do diagrama pode esclarecer as noções de demonstração e de descoberta científicas. 

 

Bibliografia:

BADIR, Sémir; DONDERO, Maria Giulia (orgs.). L’image peut-elle nier ?, Liège, PULg, 2016. (L’article de MG Dondero, « La négation dans l’image: pour une approche énonciative », disponível por solicitação a mariagiulia.dondero@ulg.ac.be)

BENVENISTE, Emile. « Sémiologie de la langue », Problèmes de linguistique générale 2, Paris, Gallimard, 1974, pp. 43-78.

BEYAERT-GESLIN, Anne; DONDERO, Maria Giulia. Arts et sciences. Approches sémiotiques et philosophiques des images, Presses Universitaires de Liège, coll. « Cultures sensibles ».  2014 Apresentação: https://www.academia.edu/19560976/Arts_et_sciences._Approches_sémiotiques_et_philosophiques_des_images

BEYAERT-GESLIN, Anne; DONDERO, Maria Giulia; MOUTAT, Audrey. Les plis du visuel. Réflexivité et énonciation des images, Limoges, Lambert Lucas, 2016. (O artigo de MG Dondero, « L’énonciation visuelle entre réflexivité et métalangage »,  é disponível por solicitação a mariagiulia.dondero@ulg.ac.be).

BORDRON, Jean-François. Image et vérité. Essais sur les dimensions iconiques de la connaissance, Liège, PULg, 2013.

CHAUVIRE, Christiane. L’œil mathématique. Essai sur la philosophie mathématique de Peirce, Paris, éditions Kimé, 2008.

DONDERO; Maria Giulia. « L’iconographie des fluides entre science et art », Le sens de la métamorphose (Colas-Blaise; Beyaert-Geslin orgs.), Pulim, Limoges, 2009a pp. 255-275. https://www.academia.edu/19622261/L_iconographie_des_fluides_entre_science_et_art

____. « L’image scientifique: de la visualisation à la mathématisation et retour », Actes Sémiotiques n°112, 2009b. URL: http://epublications.unilim.fr/revues/as/1653.

____. « Sémiotique de l’image scientifique », Signata - Annales des sémiotiques/Annals of Semiotics, n° 1, Liège, Presses Universitaires de Liège (PULg), 2010a, pp. 111-176.  https://www.academia.edu/23149281/Sémiotique_de_limage_scientifique.

____. « Rhétorique des figures visuelles et argumentation par images dans le discours scientifique », Protée vol. 31, n°1, « Le Groupe µ entre rhétorique et sémiotique. Archéologie et perspectives » (Badir & Dondero dirs), 2010b, pp. 41-53.

____.   « Rhétorique des pratiques », Semen, n°32 (Badir, Dondero & Provenzano dirs), Épistémologie et éthique de la valeur: du sémiotique au rhétorique (et retour), 2011, pp. 111-130, URL: http://semen.revues.org/9380 ou https://www.academia.edu/23428953/Rhétorique_des_pratiques.

____. « La totalité diagrammatique en mathématiques et en art », Visible n° 9, (Badir & Dondero dirs), 2012a, pp. 117-138. https://www.academia.edu/23153627/La_totalité_diagrammatique_en_mathématiques_et_en_art.

FONTANILLE, Jacques. Les Espaces subjectifs. Introduction à la sémiotique de l’observateur (discours, peinture, cinéma), Paris, Hachette, 1989.

FOSSALI, Pier Luigi Basso; DONDERO, Maria Giulia. Sémiotique de la photographie, prefácio de Jacques Fontanille, Limoges, Pulim, 2011, 407 p. Prefácio e apresentação: https://www.academia.edu/19604577/Sémiotique_de_la_photographie.

GOODMAN, Nelson. Langages de l’art. Une approche de la théorie des symboles, Paris, Hachette, 1990.

GROUPE μ. Traité du signe visuel, Paris, Seuil, 1992.

HARKOT-DE-LA-TAILLE, Elizabeth; ZAVAGLIA, Adriana. Dossiê especial Groupe μ, Estudos semióticos, vol. 11, n°3, 2015. URL: http://www.revistas.usp.br/esse/issue/view/8415/showToc

PEIRCE, Charles Sanders. 1931-35, Collected Papers of Charles Sanders Peirce, 8 vol., Hartshore, Weiss & Burks eds. (Cambridge: Harvard University Press).

STJERNFELT, Frederik.  Diagrammatology. An Investigation on the Borderlines of Phenomenology, Ontology, and Semiotics, series Synthesis Library 336 (Springer Netherlands: Synthesis Library), 2007.

 

Link para esta disciplina no sistema JANUS - Pós-Graduação USP.

 

 

Maria Giulia Dondero visita o Brasil em 2016 por iniciativa do SSU – Seminário de Semiótica da UNESP Araraquara, com apoio financeiro do CNPq. Nossos agradecimentos ao SSU, na pessoa de seu coordenador Jean Portela, pela gentileza da intermediação que permitiu a realização deste curso na Universidade de São Paulo.